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Velhice

O envelhecimento populacional é um fenômeno novo na humanidade. Devido ao declínio da mortalidade, diminuição da natalidade, vacinações sistemáticas, saneamento básico e, principalmente, aos avanços da medicina as pessoas estão vivendo cada vez mais.  Através de todo o mundo, hoje, os velhos são a parcela da população que mais cresce. No Brasil, a década de 70 caracterizou-se pelo “boom” da velhice. A população com mais de 60 anos passou de 4,7 milhões (5% do total) em 1970 para 19 milhoes (10%) hoje. E a ONU estima  que esses número continue aumentando consideravelmente nos próximos 50 anos. Em 2050, um em cada quatro brasileiros será idoso. (Ver gráficos 1 e 2) Enquanto atingir a terceira idade era proeza, até meio século atrás, quando a expectativa de vida beirava os 50 anos, hoje é cada vez maior o número de pessoas com 80, 90, 100 anos. Os centenários quase dobraram no Brasil em uma dácada. E já se fala de uma Quarta Idade!

Mas quem é o velho?
Idoso, em termos estritos, é aquele que tem “muita idade”.  Uma das consequências do uso da idade para a definição de idoso é o poder prescritivo contido nessa definição. A sociedade cria expectativas em relação aos papéis sociais daqueles com status de idoso e exerce diversas formas de coerção para que este papéis se cumpram, independente de características particulares do indivíduos. Novas terminologias e novos conceitos vêm surgindo para classificar os indivíduos em idade mais avançada. A distinção, por exemplo, entre terceira e quarta idades é uma tentativa de ajustar esquemas classificatórios a circunstâncias culturais, psicológicas e ideológicas particulares das sociedades ocidentais hoje.  

Alguns elementos, como uma cultura da saúde apoiada por desenvolvimentos tecnológicos na medicina preventiva e curativa e nos hábitos de vida da população, mecanismos de assistência do estado de bem-estar e modificação nos processos de produção que permitem a incorporação de determinados tipos de trabalhador, criaram as condições de surgimento e expansão de uma terceira idade que não tem uma saúde debilitada nem sofre um processo de pauperização característicos da idade. 

Esse fenômeno, com a inclusão de indivíduos considerados idosos em diversas esferas da vida social, provocou verdadeira revolução no curso de vida das pessoas redefinindo relações de gênero, arranjos e responsabilidades familiares e alterando o perfil das políticas públicas. Esta nova realidade tem afetado a sociedade de uma maneira jamais vista antes. Sem dúvida, um dos maiores feitos da humanidade foi a ampliação do tempo de vida, que se fez acompanhar de uma melhora substancial dos parâmetros de saúde das populações, ainda que estas conquistas estejam longe de se distribuir de forma eqüitativa nos diferentes países e contextos sócio-econômicos. O que era antes o privilégio de poucos, chegar à velhice, hoje passa a ser a norma mesmo nos países mais pobres. Esta conquista maior do século XX se transforma, no entanto, em um grande desafio para o século que se inicia. 

A História da Velhice 

A velhice sempre tem acompanhado a humanidade como uma etapa inevitável de decadência, declinação e antecessora da morte. A palavra velhice é carregada de significados como inquietude, fragilidade, angústia. O envelhecimento é um processo que está rodeado de muitas concepções  falsas, temores, crenças e mitos. A imagem que se tem da velhice mediante diversas fontes históricas, varia de cultura em cultura, de tempo em tempo e de lugar em lugar. Esta imagem reafirma que não existe uma concepção única ou definitiva da velhice mas sim concepções incertas, opostas e variadas através da história.

O estudo da visão que a sociedade tem das pessoas velhas remonta aos tempos dos Babilônios, Hebreus e da Grécia Antiga. Ao longo da história há grande importância dada para problemas básicos inerentes à velhice, vantagens e inconvenientes inerentes a mesma e como fazer para impedir o processo de envelhecimento. Para os Babilônios a imortalidade e formas de como conservar a juventude estiveram muito  presentes. A Grécia Clássica relegava os velhos a um lugar subalterno e a beleza, a força e a juventude eram enaltecidas como se evidenciava para alguns filósofos gregos. Porém, Platão trouxe uma nova visão onde a velhice conduziria a uma melhor harmonia, prudência, sensatez, astúcia e juízo.

Na sociedade romana os anciões tinham uma posição privilegiada. O direito romano concedia a autoridade de “pater familias” aos anciões. Quanto mais poderes lhes eram concedidos, mais a ira de novas gerações se voltava contra os velhos. A República Romana também conferia cargos importantes no senado aos anciões como “patrícios”. A imagem negativa da velhice foi combatida por Sêneca mas foi em Cícero, com sua obra "A Senectude" que a velhice encontrou seu maior defensor.

Em sociedades antigas o ancião era visto com uma aura de privilégio sobrenatural que lhe concedia uma vida longeva e como resultado, este ocupava um lugar primordial, onde a longevidade se associava com a sabedoria e a experiência. Assim era nas sociedades orientais, principalmente na China e Japão.

Nas culturas Incas e Aztecas, a população anciã era tratada com muita consideração. A atenção a esta população era vista como responsabilidade pública. Os antigos Hebreus também se destacavam pela importância que davam a seus anciões, que, em épocas de nomadismo eram considerados os chefes naturais dos povos que eram consultados quando necessário.

Na cultura hebraica encontramos Matusalém que era considerado como se tivesse vivido 969 anos. Uma vida longa era vista mais como uma benção do que como uma carga, e esta benção é vista nos patriarcas bíblicos.

Com a queda do Império Romano os anciões também foram perdendo seu lugar de destaque na sociedade, mais uma vez se tornaram vítimas da superioridade juvenil. No sistema de estratificação por idade de cada sociedade estava implícito o fato de que a idade era um determinante básico do que os indivíduos podiam e deviam fazer. 

Em termos gerais, a etapa do Cristianismo expôs uma visão negativa da velhice. Este tema deixou de interessar aos escritores cristãos que mencionavam a velhice com relação a moral e a associavam com decrepitude, feiúra e pecado. (ver Santo Agostinho).

O século VI identificou a velhice com a cessação da atividade, iniciando ali a concepção moderna de isolamento dos velhos em retiros. Por outro lado, o homem medieval temia e buscava os meios de escapar da velhice, seja por meio da fantasia, seja por meio da ciência. Nos períodos do Renascimento e do Barroco persistiu a idéia da inevitável decrepitude e do caráter melancólico da velhice. A crença de que o diabo movia a fantasia por humores  justificou a perseguição e execução de milhares de mulheres anciãs, conhecida como a caça às bruxas. A Idade Média se caracterizou também pela época dos mais fortes e dos poderios militares, o que colocava os anciões como submetidos aos mais fortes e formavam parte da população escrava e servil.

Durante os séculos XIV e XV, a peste e a cólera foram seletivas deixando um saldo de milhares de mortos e uma grande população velha que havia sobrevivido às pestes. Este fato trouxe como conseqüência o fortalecimento do poder das pessoas de mais idade e um aumento do conflito entre as gerações que havia diminuído ao final do Império Romano. As pessoas velhas começaram a ser ridicularizadas em ambientes públicos. A literatura e a arte se uniram para ridicularizar os anciões a despeito de grandes expoentes de idade avançada que realizaram suas obras neste período como Leonardo Da Vinci e Michelângelo. Apesar da presença artística o velho continuava tendo pouca importância social e se encontrava em uma situação precária e ambígua.

O século XVI se caracterizou por uma violência e um ataque contra a velhice, como conseqüência da adoração e culto da beleza e juventude. Willian Shakespeare personificou vários aspectos da velhice, como em “Rei Lear”. Erasmo de Roterdâ, em sua obra “Elogio da Loucura” concebia  a velhice como uma carga e a morte como necessária. Ele considerava que a loucura era o único remédio contra a velhice.

O pensamento científico que caracterizou os séculos XVI e XVII introduziu novas formas de pensar que enfatizavam a observação, experimentação e verificação, podendo-se então, descobrir as causas da velhice mediante um estudo sintomático. Ainda assim prevalecia a ambivalência em relação à velhice.

Durante os séculos XVII e XVIII foram feitos muitos avanços no campo da
fisiologia, anatomia, patologia. As transformações que ocorreram na Europa nos séculos XVIII e XIX refletiram em uma mudança na população anciã. O número de pessoas em idade avançada aumentou e os avanços da ciência permitiram descartar vários mitos acerca da velhice. Contudo, a situação dos velhos não melhorou. O surgimento da Revolução Industrial e do urbanismo foram derradeiros para os anciões que, sem poder trabalhar, foram reduzidos à miséria. 

No final do século XIX os avanços da medicina propiciaram a divisão de velhice e enfermidade e no século XX surgem a gerontologia e a geriatria como disciplinas formais.  Os mitos que permanecem a respeito da velhice, prejudicam o bom envelhecimento e dificultam uma inserção dos velhos na sociedade.

O que se percebe são ciclos que ocorrem ao longo da história. Períodos em que os  idosos são valorizados são seguidos por crises entre jovens e velhos e posterior desvalorização do ancião. Hoje, para uma parcela economicamente ativa da população idosa, existe um movimento de valorização, pois esta população está impulsionando mercados como o de turismo e serviços para a terceira idade.

Os meios de comunicação, da forma como estão hoje inseridos em nossa vida, também têm um papel importante na construção desta terceira idade. A televisão e o cinema, particularmente, possuem um grande potencial para influenciar nos conceitos acerca da velhice. As parcelas da população mais influenciáveis são as crianças e jovens. Estes meios funcionam como um espelho da sociedade e contribuem para estabelecer ou validar modelos de comportamento. Porém o número de pessoas idosas que aparecem nos programas ou filmes não corresponde a realidade encontrada na sociedade. Neste caso a mensagem que pode estar sendo passada é de que o velho não é importante. Os estereótipos negativos também são muito explorados.

No início da década de 90 ocorreu uma leve mudança na visão negativa da velhice em programas e filmes como “Assassinato por escrito”, “Cocoon” e “Conduzindo miss Daisy” e o surgimento de idosos como mercado consumidor pode ainda alterar mais este quadro.

A imagem passada pelos meios de comunicação afeta também a auto-estima dos idosos. A validação social é crucial para o desenvolvimento de todas as pessoas e os anciões não são diferentes. Faz-se necessário uma conscientização da importância desses meios na constituição da velhice. Assim podemos começar a mudar a visão que nossa sociedade possui do que é ser velho hoje em dia.


Excerto de VELHICE, por
Daniela de Lemos, Fernanda Palhares, João Paulo Pinheiro e Thaís Landenberger
Universidade Federal do Rio Grande do Sul


10/02/2011